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"STJ precisa se preparar para o impacto da inteligência artificial"

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Danilo Vital

Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Sanseverinotem investido tempo na leitura de livros que ajudem a compreender o impacto imediato das novas tecnologias na sociedade contemporânea. E, ao mesmo tempo, programa a implementação delas na gestão de recursos repetitivos da corte, na função de presidente do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep). Para ele, é preciso estar preparado para os efeitos da inteligência artificial.

“A grande preocupação é o impacto cada vez maior da inteligência artificial tanto na nossa vida pessoal como na vida profissional. É realmente uma preocupação que temos que estar preparados”, afirma o ministro, em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2019, que tem lançamento previsto para maio.

No STJ, o uso de inteligência artificial já foi iniciado através de projeto-piloto lançado em junho de 2018 que visa definir o assunto do processo antes mesmo de sua distribuição. No Judiciário, não faltam exemplos: do uso de IA por escritórios de advocacia privada ao Sistema Victor, do Supremo Tribunal Federal, que auxilia na identificação de recursos extraordinários vinculados a temas de repercussão geral.

À frente do Nugep, Sanseverino vê essa revolução tecnológica como próximo passo de um trabalho que visa otimizar o mapeamento de demandas repetitivas, que se transformariam em “precedente qualificado” em julgamentos de grande impacto numérico, social e jurídico pelas seções da corte.

“Estamos pensando isso. Tem alguns tribunais que têm utilizado. Por exemplo, Minas Gerais está utilizando inteligência artificial em julgamentos de demandas repetitivas. Temos a experiência do Supremo, com o Sistema Victor. O ministro presidente Noronha tem assessoria especial voltada à inteligência artificial. Queremos aproveitar essas experiências e verificar como aplicar a esse setor dos repetitivos, que eu penso que é um segmento em que ela se aplica muito bem, como tem sido feito por escritórios de advocacia privada”, avalia.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor preside o Núcleo Gestor de Precedentes (Nugep) do STJ. Como avalia a atuação do núcleo na gestão de precedentes e demandas repetitivas?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Estamos há quatro anos juntos na comissão. Começamos em 2014 na gestão do ministro Falcão como comissão especial. Nos primeiros dois anos procuramos fazer trabalho interno no tribunal, procurando agilizar os julgamentos, a publicação do acórdão, os embargos declaratórios. Depois fizemos trabalho dirigido aos tribunais de segundo grau para agilizar a identificação de novas demandas repetitivas, em trabalho de inteligência, realmente. Últimos dois anos procuramos aprofundar esse trabalho.

ConJur — E como anda a situação na segunda instâncias?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Identificamos os tribunais que, percentualmente, rementem o maior número de processos para o STJ — São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal — e procuramos mudar: em vez de fazer workshops aqui no tribunal, resolvemos fazer eventos nos próprios tribunais. E aí visitamos 15 nos dois últimos anos. Os resultados são excelentes, porque a gente amplia o diálogo. Na nova administração estamos programando novas visitas aos tribunais e planejando como utilizar a inteligência artificial ligada às demandas repetitivas. É um passo que pretendemos dar no próximo ano.

ConJur — Quais seriam as diretrizes para utilização da inteligência artificial?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Estamos pensando isso. Tem alguns tribunais que têm utilizado. Por exemplo, Minas Gerais está utilizando inteligência artificial em julgamentos de demandas repetitivas. Temos a experiência do Supremo, com o Sistema Victor. O ministro presidente Noronha tem assessoria especial voltada à inteligência artificial. Queremos aproveitar essas experiências e verificar como aplicar a esse setor dos repetitivos, que eu penso que é um segmento em que ela se aplica muito bem, como tem sido feito por escritórios de advocacia privada.

ConJur — Qual é a principal dificuldade de fazer a gestão de demandas repetitivas neste momento?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 É como se você fosse apagar um foco de incêndio: no instante que se identifica um, quando vê tem mais dois próximos. Na verdade, é uma guerra de guerrilha: tem que estar constantemente identificando novas demandas e atuando. A questão é atuar rapidamente para evitar que o problema fique crônico.

ConJur — Os tribunais estão dando conta?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Esse trabalho tem sido feito com os tribunais estimulando que eles próprios criem núcleos, como determina a resolução do CNJ, que se inspirou exatamente no trabalho feito aqui, identificando novas demandas repetitivas já no primeiro grau. No âmbito do Conselho da Justiça Federal tem um trabalho muito bom feito pelo Centro de Inteligência, formado fundamentalmente por juízes federais de primeiro grau e servidores vinculados ao STJ, e que tem realmente feito trabalho de monitoramento e identificação de novas demandas e emissão de notas técnicas, até sugerindo a afetação de repetitivos e modificação de teses já consolidadas — algumas têm que ser modificadas em função da sua incompatibilidade com o novo CPC.

ConJur — O senhor tem feito leituras que possa destacar? Algum novo interesse?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Tenho lido para entender as mudanças que ocorrem no mundo rapidamente. Tanto a questão da eleição do Trump nos Estados Unidos, do Brexit na Inglaterra, a própria eleição no Brasil. Aí tenho procurado ler livros que tratam das perspectivas do século XXI. Destaco o livro 21 Lições para o Século 21, de Yuval Harari. Também do Jorge Friedman, Os próximos 100 anos: uma previsão para o Século XXI. A preocupação é entender o impacto da revolução tecnológica na vida social, na globalização e na vida privada. É a minha preocupação central

ConJur — E deu para chegar a alguma conclusão? Estamos tão próximos aos fatos.
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Embora a gente esteja no meio da confusão, vamos dizer assim, mas é importante para ver as perspectivas e principalmente a questão do impacto das tecnologias. A grande preocupação é o impacto cada vez maior da inteligência artificial tanto na nossa vida pessoal como na vida profissional. É realmente uma preocupação que temos que estar preparados.

ConJur — O STJ chega à marca de 30 anos de sua instalação em 2019 enquanto se discute o elevado número de casos que julga e a necessidade de imposição de mais filtros de julgamento. Por que se chegou a esse cenário?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Penso que tivemos grandes mudanças nesse período. De um lado, especialmente o impacto da revolução tecnológica, que chegou diretamente ao Judiciário. De outro lado, temos mais de um milhão de advogados em atuação no Brasil. Isso acaba impactando diretamente o STJ, especialmente no aspecto dos recursos repetitivos: as demandas de massa. É problema que temos enfrentado com boa gestão dos recursos repetitivos, que tem sido feita tradicionalmente pelas várias administrações do STJ. Lembrando que a lei dos repetitivos está fazendo este ano também dez anos e é ponto relevante, porque tribunal procurou dar atenção especial, com excelentes resultados. Temos conseguido realmente segurar número de processos no gabinete.

ConJur — E a PEC da Relevância, então, é necessária?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 O que se observa é que somente essa gestão dos repetitivos talvez não seja suficiente no curto prazo para a viabilização de cumprir a missão constitucional, que é ser uma corte de precedentes. E com isso, penso que a solução realmente é a aprovação da PEC da Relevância, que foi aprovada pela Câmara, falta apenas o Senado. No curto e médio prazo, é o que pode realmente viabilizar o STJ.

ConJur — Qual a causa da explosão do número de processos?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Penso que realmente o principal fator seja número de advogados. Temos mais de 1,5 mil faculdades de Direito e continuam sendo criados novos cursos. Temos mais de 1 milhão de advogados, segundo números oficiais da própria OAB. Isso realmente gera impacto muito grande não só no STJ, mas principalmente em primeiro e segundo grau. Aqui, ainda trabalhamos essa questão com a gestão dos repetitivos.

ConJur — É necessária uma restrição ao número de faculdades?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Penso que a necessidade é de um controle maior. O mercado da advocacia está saturado e acaba-se criando uma falsa expectativa dos novos profissionais de que vão fazer advocacia como era antigamente. Isso já não é mais possível. Além de tudo, na própria atividade da advocacia também há impacto das novas tecnologias, de que estão se utilizando cada vez mais: a inteligência artificial, com redução do número de advogados nos grandes escritórios.

ConJur — Quais devem ser os filtros para o STJ julgar um caso?
Paulo de Tarso Sanseverino — 
Penso que PEC, como está redigida, está bom. É semelhante à PEC da repercussão geral. Na aplicação prática vamos dar os contornos para a identificação desse pressuposto, que é a relevância da questão federal.

ConJur — O rito de julgamento de recursos repetitivos completou dez anos com mil temas apreciados, mas com algumas críticas, principalmente em relação à demora. Ele tem cumprido, realmente, sua função?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 A avaliação é altamente positiva. Devemos fazer a comparação com a repercussão geral do supremo. Lá realmente tem ocorrido demora grande. Aqui temos feito controle a respeito da tramitação dos processos repetitivos. Temos controle de cada processo. Mensalmente mandamos relatórios para todos os gabinetes. A tramitação é razoável em relação à tramitação da repercussão geral no Supremo. Naturalmente que alguns recursos podem demorar um pouco mais exatamente pela relevância dos temas envolvidos. É nos repetitivos e no incidente de assunção de competência que surgem os precedentes efetivamente qualificados do STJ e que vão ter eficácia vinculativa a todas as instâncias de modo realmente diferenciado.

ConJur — Outro instrumento recentemente implementado pelo CPC de 2015 é o incidente de resolução de demandas repetitivas. Qual o impacto dele no STJ?
Paulo de Tarso Sanseverino — 
É o “repetitivo dos tribunais de segundo grau”. Tem características diferentes do repetitivo e tem assumido caminho diferente, que é bem interessante. Mas tem sido muito bem utilizado pelos tribunais de segundo grau exatamente para demanda de massa, especialmente de interesse local — quando envolve legislação municipal, estadual ou problemas localizados naquele estado como, por exemplo, o desastre de Mariana. Tem segurado a vinda de processos para o STJ

ConJur — O Judiciário é chamado de deliberar sobre tudo: de briga de vizinho a questões de política pública. Ele deve, realmente, julgar todos os casos?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 Não enxergo dessa maneira. O que está acontecendo é uma confiança muito grande no Poder Judiciário. Como as pessoas não têm conseguido solução direta com a administração pública e entes privados, acabam recorrendo ao Judiciário, e é a última trincheira da cidadania. Eu não vejo isso com preocupação, pelo contrário: vejo como manifestação de confiança.

ConJur — Nesses 30 anos, qual foi a principal contribuição do STJ para a sociedade?
Paulo de Tarso Sanseverino —
 A grande contribuição quando foi criado, em 1988, foi ser uma corte de viés mais progressista do que era o STF da época. O STF já era um excelente tribunal, mas tinha perfil conservador. O STJ, desde primeiro momento, procurou se afirmar como um novo tribunal com um viés mais progressista. Ele se aproveitou das inovações da Constituição Federal e da legislação, com destaque para o Código de Defesa do Consumidor, em 1990. Com isso, veio a célebre alcunha de Tribunal da Cidadania. Penso que essa foi a grande contribuição e grande afirmação do STJ no cenário jurídico.

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