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A Súmula 44 do TSE e o horizonte incerto para as eleições de 2020

terça-feira, 04 de dezembro de 2018
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Rodrigo Cyrineu

Brasília, 27 de novembro de 2018. Plenário do Tribunal Superior Eleitoral. Sessão ordinária noturna. Em apreciação, o Recurso Ordinário 0600451-83/AL. Manutenção do deferimento do registro — deferido pelo TRE-AL — do candidato que, embora condenado pelo Tribunal de Justiça alagoano, obtivera, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, liminar (monocrática) suspensiva dos efeitos da condenação. Sinalização, contudo, de overruling.

O breve resumo contido no parágrafo anterior, em forma de ementário, contextualiza, em sucintas linhas, a sinalização externada pelo TSE no tocante à revogação da Súmula 44, que assim dispõe: “O disposto no art. 26-C da LC nº 64/1990 não afasta o poder geral de cautela conferido ao magistrado pelo Código de Processo Civil”.

No caso apreciado, vencido o ministro Luiz Edson Fachin, a corte superior manteve sua jurisprudência, cristalizada no aludido verbete, no sentido de que a suspensão da causa de inelegibilidade pode ser feita não só na ritualística do artigo 26-C da Lei das Inelegibilidades, mas também monocraticamente por um membro de tribunal, no exercício do poder geral de cautela.

Todavia, é o obiter dicta que preocupa. Além do relator, ministro Fachin, que, como já se referiu, deu prevalência e exclusividade à ritualística do artigo 26-C[1] da LC 64/90 (a qual exige a suspensão colegiada da causa de inelegibilidade), vários votos proferidos fizeram ressalvas nesse sentido (signaling), sendo que outros votaram por razões exclusivas de segurança jurídica.

O primeiro a votar após o relator, ministro Jorge Mussi (o qual abriu a divergência), se restringiu a obedecer a jurisprudência sumulada, relembrando o julgamento do AgRg no RO 0600295-95/AL, rel. min. Roberto Barroso, julgado em 20 de novembro de 2018, o qual restou assim ementado:

Direito Eleitoral. Agravo interno em Recurso ordinário. Eleições 2018. Registro de candidatura. Deputado Federal. Condenação por improbidade administrativa. Fato superveniente. Desprovimento.

1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recursos interpostos contra acórdão regional que, julgando improcedentes as impugnações, deferiu o registro do candidato ao cargo de deputado federal, afastando a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990.

2. As alterações fáticas e jurídicas supervenientes ao registro de candidatura que afastem a inelegibilidade podem ser conhecidas, tanto nas instâncias ordinárias como nas instâncias extraordinárias, até a data da diplomação dos candidatos eleitos (art. 11, § 10, da Lei n° 9.504/1997). Precedentes.

3. O art. 26-C da LC nº 64/1990 – que permite que o órgão colegiado do tribunal competente suspenda, em caráter cautelar, a inelegibilidade – não afasta a possibilidade de suspensão dos efeitos do acórdão condenatório por pronunciamento monocrático, com fundamento no poder geral de cautela (Súmula nº 44/TSE). Precedentes.

4. No caso, o candidato está amparado por decisão judicial que suspendeu os efeitos da condenação por improbidade administrativa, o que afasta a incidência da causa de inelegibilidade, assegurando-lhe o deferimento de seu pedido de registro de candidatura.

5. Agravo interno a que se nega provimento. (TSE - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO Nº 0600295-95.2018.6.02.0000 – MACEIÓ – ALAGOAS – Rel. Min. Luís Roberto Barroso – julgamento em 20-11-2018 – publicação em sessão)

O terceiro a votar, o ministro Luís Felipe Salomão se reservou a respeitar a orientação do TSE. Já o quarto vogal, ministro Admar Gonzaga, é o responsável pela técnica processual da sinalização, porquanto abriu o debate a propósito da necessidade de rediscutir a temática envolvida no verbete.

O ministro Admar Gonzaga denuncia aquilo que, em seu entender, se traduz num armazenamento tático de pleitos liminares, criando situações artificias de urgência. Decisões liminares estas que são concedidas às vésperas do pleito e acabam por ser revogadas dias após a data da eleição. Em aparte, o ministro Fachin ressalta que medidas liminares não são propriamente garantidoras de estabilidade.

Quinto a votar, o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto desceu às origens do verbete 44/TSE, qual seja, à Questão de Ordem na Ação Cautelar 1.420-85, rel. min. Marcelo Ribeiro, em que o tribunal, por unanimidade, assentou a competência do relator para apreciar liminar suspensiva de inelegibilidades[2] De qualquer forma, sua excelência analisa os fundamentos da decisão monocrática para concluir para sua validade para os fins pretendidos (suspensão de inelegibilidade), o que abrirá, no futuro, outra discussão[3].

Sexto a votar, o ministro Luís Roberto Barroso é a voz mais contundente contra o verbete 44/TSE, pois assevera que o voto do ministro Fachin é materialmente o mais correto. Disse sua excelência, ministro Roberto Barroso:

“Acho muito ruim que uma decisão colegiada que preenche os requisitos da Lei da Ficha Limpa possa ser monocraticamente revogada para permitir o registro da candidatura depois de um julgado de primeiro grau e de segundo grau. De modo que eu, na linha do que já foi observado pelo Min. Admar Gonzaga, acho, sim, que para preservar a Lei da Ficha Limpa, nós deveríamos exigir que a eventual suspensão da condenação que gera a inelegibilidade só possa ser proferida por órgão colegiado”.

Todavia, por questões formais[4], isto é, em razão dos precedentes do TSE[5], inclusive de sua relatoria, votou com a divergência. Mas, ao final de seu voto, propôs a revisitação administrativa da Súmula 44/TSE.

Última a votar, a presidente Rosa Weber reafirmou o entendimento pretoriano do TSE, ao argumento de que o poder geral de cautela exercido por um magistrado suspende a eficácia da decisão causadora da inelegibilidade.

De se ver, após o breve relato do julgamento, que ao menos três ministros discordam frontalmente da permanência do verbete (Fachin, Admar e Barroso). O ministro Og Fernandes, titular, não participou do julgamento por se declarar suspeito (o substituiu o ministro Luís Felipe Salomão). O ministro Jorge Mussi e o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho não se manifestaram propriamente sobre o acerto da Súmula 44/TSE. Em sua defesa restou isolada a presidente da corte, ministra Rosa Weber.

Disso tudo é possível extrair algumas conclusões, a começar pela assunção, por parte do TSE, de seu papel de corte de vértice[6] do sistema de precedentes obrigatórios[7] instituído pela nova legislação adjetiva. Ademais, se verifica uma preocupação mais acentuada por parte dos julgadores no tocante à estabilização da jurisprudência e de critérios mais cuidadosos para sua superação.

Por derradeiro, e no tocante à Súmula 44/TSE, se pode dizer que, para as eleições de 2020, o horizonte é incerto. Após a sinalização da corte[8], confiar em medidas cautelares para o fito de suspensão de causas de inelegibilidade é um ato de coragem e exigirá, sobretudo do advogado eleitoralista, pós-graduação em futurologia.


[1] Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
[2] “QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO CAUTELAR. SUSPENSÃO. EFEITOS. ACÓRDÃO RECORRIDO. INELEGIBILIDADE. ART. 26-C DA LC Nº 64/90. DECISÃO MONOCRÁTICA. RELATOR. PODER GERAL DE CAUTELA. VIABILIDADE.
1. Compete ao relator do feito decidir monocraticamente pedido de liminar em ação cautelar.
2. O disposto no art. 26-C da LC nº 64/90, inserido pela LC nº 135/2010, não afasta o poder geral de cautela conferido ao juiz pelo art. 798 do CPC, nem transfere ao Plenário a competência para examinar, inicialmente, pedido de concessão de medida liminar, ainda que a questão envolva inelegibilidade”. (TSE - Ação Cautelar nº 142085, Acórdão, Relator(a) Min. Marcelo Ribeiro, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 28/06/2010, Página 61-62)
[3] Qual seja, se a Justiça Eleitoral pode avaliar o acerto ou desacerto da decisão de outros Tribunais para fins de reconhecimento, ou não, de causa de inelegibilidade, o que, segundo a Súmula 41/TSE, não é permitido.
[4] MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 37: “(...) como é evidente, ou o precedente é uma norma jurídica – e, portanto, tem força vinculante – e vale independentemente de suas boas razões, ou é um simples exemplo, que obriga apenas nos limites em que a experiência anterior persuade o seu destinatário”.
[5] Conforme afirmado pelo Justice Antonin Scalia [Estados Unidos – United States Supreme Court – Hubbard v. United States – decidido em 15.05.1995, p. 716.], “the doctrine of stare decisis protects the ligitimate expectations of those who live under the law (...) Who ignores it must give reasons, and reasons that go beyond mere demonstration that the overruled opinion was wrong (otherwise the doctrine would be no doctrine at all)”.
[6] Utilizamos a palavra Corte de Vértice, ao invés de Corte Superior, pois adotamos a premissa de Daniel Mitidiero [In Cortes Superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017] sobre a evolução da postura dos Tribunais de Ápice dentro do sistema jurídico pátrio, os quais deixam de ser Cortes de controle para serem Cortes de interpretação. A esse propósito, é elucidativa a seguinte passagem [p. 110]: “(...) uma corte reativa e de controle tende a fixar-se na decisão recorrido, deixando de lado os aspectos gerais que envolvem a interpretação do Direito e tudo aquilo que avança para além do caso examinado, notadamente o tratamento dado a outros casos idênticos ou semelhantes (...) É justamente para evitar esse particularismo e essa inconstância que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça devem ser vistos como cortes proativas e de adequada interpretação da Constituição e da legislação infraconstitucional federal – cortes, portanto, que tomam a decisão recorrida como ponto de partida para o desenvolvimento da sua função de outorga de unidade ao Direito, isto é, de tutela do direito em uma dimensão geral”.
[7] MARINONI, Luiz Guilherme. A Ética dos Precedentes. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 105: “A unidade do direito é o resultado de um sistema de precedentes obrigatórios e reflete a coerência da ordem jurídica, viabilizando a previsibilidade e o tratamento uniforme de casos similares. O precedente, portanto, é um valor em si, pois é algo indispensável para que se tenha unidade do direito e uma ordem jurídica coerente, requisitos para a racionalidade do direito”.
[8] MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direitos processual civil. Salvador: JUSPODIVM, 2015, pp. 410-411: “Qualquer sujeito que confiar no precedente para guiar suas ações, após a sinalização, fá-lo-á de forma injustificada, não merecendo, portanto, ter sua expectativa juridicamente tutelada. Há a transferência dos riscos dos prejuízos gerados pela superação do precedente, que passa a ser do jurisdicionado”.

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