Notícias

Pluralismo, democracia e representação política: indígenas nas eleições de 2022

quarta-feira, 07 de dezembro de 2022
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: Conjur

Por Willaine Araújo Silva e João Paulo Allain Teixeira

Uma das questões de maior impacto no panorama da democracia brasileira refere-se ao déficit de representação do pluralismo que caracteriza o perfil social do país. Tradicionalmente as lideranças políticas eleitas integram um perfil relativamente homogêneo, composto por homens, brancos, proprietários, reproduzindo o compromisso com a permanência de valores eurocentrados.

Com a definição das candidaturas eleitas em 2022 é possível o estabelecimento de um olhar mais detalhado sobre esta realidade.  Em sintonia com a ascensão conservadora verificada no Brasil nos últimos anos, o Congresso eleito em 2022 é apontado como o mais conservador desde a redemocratização [1], sugerindo para o debate parlamentar dos próximos anos, a prevalência de uma agenda legislativa fundada em valores com amplo potencial de comprometimento de direitos alcançadas nos últimos anos por minorias e grupos vulneráveis.

Nesse contexto, é promulgada em 2021 a Emenda Constitucional 111, que dentre outros regramentos, estabelece o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) criando uma política de ação afirmativa eleitoral destinada ao estímulo à inclusão, acesso e participação de grupos historicamente excluídos em processos decisórios na Câmara dos Deputados. Trata-se aqui de regra específica para a distribuição de recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para os partidos que tiverem votos em mulheres e negros.

As novas regras provocaram um aumento significativo destas candidaturas chegando a 33% o número de candidaturas femininas e à maioria absoluta de candidaturas de negros autorizadas pelo TSE, recorde expressivo em relação aos últimos realizados verificados no país [2].

Contudo, há um outro grupo não referido expressamente pela Emenda 111 a merecer igual atenção. Trata-se aqui dos indígenas, igualmente sub representados nas instâncias parlamentares brasileiras. Desde as eleições municipais de 2020 nos propusemos a fazer este acompanhamento neste mesmo espaço na ConJur [3].

A representação política dos indígenas constitui agenda relativamente recente. Desde a eleição em 1982 de Mário Juruna, cacique xavante e primeiro Deputado Federal indígena do Brasil, abriram-se caminhos para a viabilização das causas dos povos originários junto a espaços de deliberação parlamentar. O processo constituinte que resultou na adoção do texto de 1988 é beneficiário direto desse processo, quando Ailton Krenak, jovem liderança indígena sobe à tribuna da Assembleia Nacional Constituinte para proferir um dos mais significativos discursos durante o processo de elaboração da Constituição brasileira de 1988. A inclusão de um capítulo especifico na Constituição, reconhecendo os direitos dos indígenas é conquista inédita, até então não registrada nos textos constitucionais anteriores.

Nas eleições de 2022 foram registradas pelo Tribunal Superior Eleitoral 172 candidaturas,  o maior número desde 2014, ano em que a autodeclaração teve início, sendo 111 candidaturas para as Assembleias Legislativas Estaduais e Distrital, 56 para a Câmara dos Deputados, dois para os Governos Estaduais e três para o Senado Federal [4].

Há uma particularidade de relevo a ser considerada no debate. Como se sabe, a caracterização da condição de negro, indígena, etc. para fins eleitorais se dá mediante autodeclaração junto à Justiça Eleitoral. A autodeclaração é um importante mecanismo de indução a um autorreconhecimento da pessoa enquanto integrante de um determinado grupo, contribuindo para a identificação de uma agenda de reivindicações fundadas no pluralismo e na diversidade.

Mesmo assim, é importante mencionar que nem todos os candidatos que se autodeclaram indígena partilham necessariamente da agenda de lutas dos povos originários. Nesse sentido, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou o projeto "Aldear a Política" [5] com o objetivo de contribuir para a construção de um espaço de representatividade das causas indígenas nos espaços de decisão na sociedade brasileira [6].

A iniciativa coincide como uma reação à expansão no Brasil, de uma agenda desenvolvimentista antiambiental de discutível sustentabilidade a médio e longo prazo. À medida em que crescem os registros de violência contra os povos originários, em decorrência da fragilização das políticas públicas voltadas à proteção dos indígenas, a chamada "bancada do cocar" representa um contraponto necessário para o debate público no país.

A relevância da agenda de reivindicações indígena, para além de pôr em relevo a necessidade de reparação histórica decorrente de um processo brutal de invisibilização e subalternização decorrentes da lógica colonial, propõe ainda a possibilidade de pensar o mundo a partir de cosmovisões significativamente distintas daquelas naturalizadas pela tradição ocidental dominante.  Isto inclui o desenvolvimento de parâmetros alternativos para pensarmos a vida em comunidade e o relacionamento com as outras pessoas, os animais e a natureza. Em um momento em que o mundo parece se voltar para a busca de modelos de desenvolvimento sustentável e respeito aos limites da natureza, a valorização das vozes indígenas no debate público constitui imperativo inescapável.

[1] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2022/10/pais-elege-um-congresso-como-nunca-se-viu-na-democracia.shtml

[2] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/09/5039174-numero-de-mulheres-e-negros-bate-recorde-nas-eleicoes-de-2022.html

[3] https://www.conjur.com.br/2020-nov-23/araujo-teixeira-representatividade-indigena-eleicoes

[4] Foram declarados eleitos como Deputados Federais, Célia Xakirabá (PSOL-MG), Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Sônia Guajajara (PSOL-SP). Para o Senado, Welligton Dias (PT-PI) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Para as Assembleias Estaduais, Amanda Brandão Armelau (RJ), Lucinio Castelo de Assumção (PL-ES) Reeleito, mas em 2018 não se autodeclarava indígena.

[5] https://apiboficial.org/2022/08/29/apib-lanca-bancada-com-candidatos-indigenas-pela-primeira-vez/

[6] Para as eleições de 2022 a Apib apresentou 30 candidaturas de todas as regiões do país e representativas de 31 povos distintos.

Categoria(s): 

#GRAinforma

Notícias relacionados

seg, 17 de junho de 2013

Com prefeito cassado, Boa Esperança (SP) terá nova eleição

Os 10.240 eleitores de Boa Esperança do Sul (301 km de São Paulo) voltarão às urnas no dia 4 de […]
Ler mais...
sex, 09 de maio de 2014

Negada liminar para retirada de propaganda partidária do PMDB

A ministra Laurita Vaz, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), indeferiu pedido de liminar em representação na qual o Partido da […]
Ler mais...
qui, 29 de maio de 2014

Nova distribuição de tempo de propaganda não vale para eleições 2014

A Lei 12.875/13, que altera a distribuição das cotas do Fundo Partidário e do tempo de propaganda destinado aos partidos, […]
Ler mais...
sex, 08 de novembro de 2013

TRE- MT condena candidato a vereador em 2012 a multa de R$ 5 mil

O Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso acolheu recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral e condenou o então […]
Ler mais...
cross linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram