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Reforma Eleitoral e os novos prazos para registro e substituição de candidatos

domingo, 08 de maio de 2016
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Gustavo Severo - Mestre em Direito Constitucional. Advogado em Brasília

Por Humberto Chaves - Pós-Graduando em Direito Eleitoral (PUC-Minas). Advogado em Brasília

Embora a sociedade brasileira há muito reclame uma ampla reforma do sistema político, a realidade sempre impõe alterações legislativas pontuais que, na maioria das vezes, não tangenciam os problemas estruturais do processo político-eleitoral brasileiro. Cabendo aos próprios congressistas aprovar as regras do jogo da eleição seguinte, geralmente não se forma a maioria suficiente para implementar mudanças substanciais que podem colocar em risco a própria recondução dos parlamentares.

Assim, a produção legislativa em matéria eleitoral tem se caracterizado pelo estabelecimento de regras pontuais e casuísticas para cada eleição, geralmente utilizando-se as eleições municipais como “tubo de ensaio” das eleições gerais. Além disso, a grande maioria das mudanças legislativas aprovadas nos últimos 10 anos, desde a edição da lei 11.300/2006, reflete enorme falta de preocupação com a sistematicidade do conjunto de normas eleitorais e com o impacto das novas disciplinas na realidade das campanhas eleitorais.

Um exemplo dessa situação revela-se no novo art. 13, §3º, da Lei Eleitoral (redação dada pela Lei 12.891/13), que dispõe que nas eleições majoritárias ou proporcionais a substituição de candidato que for considerado inelegível, renunciar ou falecer após o termo final do prazo do registro ou, ainda, tiver seu registro indeferido ou cancelado “só se efetivará se o novo pedido for apresentado até 20 (vinte) dias antes do pleito, exceto em caso de falecimento de candidato[…]”.

O dispositivo é relevante e visa coibir fraudes e abusos, primando pelo respeito efetivo ao princípio constitucional do voto direto. Com ele, assegura-se ao eleitorado clareza quanto aos candidatos que efetivamente concorrem e podem ser votados, impedindo uma prática que se tornou comum no Brasil: votava-se em um candidato que fez propaganda eleitoral ao longo de toda campanha e cujo nome e foto constavam da urna eletrônica, mas elegia-se uma terceira pessoa, indicada como substituta às vésperas do pleito, totalmente à revelia do conhecimento do eleitor.

Todavia, com a nova redação do art. 11 da Lei 9.504/97, a partir das eleições de 2016 os partidos e coligações têm até o dia 15 de agosto do ano eleitoral para formalizar os registros das candidaturas. Reduziu-se pela metade o prazo para o registro de candidatura, mantendo-se, nos mesmos termos, o prazo fatal para a substituição de candidatos.

Além disso, a nova redação do art. 16, §1º, da Lei Eleitoral estabelece que até 20 dias antes das eleições – ou seja, no mesmo prazo final para a substituição de candidatos – todos os processos de registro de candidatura, inclusive os dos candidatos impugnados e os respectivos recursos, deverão estar julgados pelas instâncias ordinárias.

Na prática, após os registros de candidaturas serem protocolizados no dia 15 de agosto, os juízes eleitorais e os TREs terão apenas 28 dias para julgar, nas duas instâncias, os processos de registro; e, atendido ou não esse prazo, os partidos e coligações terão que decidir se serão substituídos aqueles que tiveram seu registro indeferido ou que ainda não foram julgados.

Ocorre que ao analisarmos os prazos previstos para a tramitação das impugnações de registro de candidatura (artigo 3º e seguintes da LC 64/90) verificamos que, mesmo no cenário mais célere possível, no 20º dia antes do pleito (12 de setembro, para as eleições de 2016) os processos de registro em que haja impugnação ainda estarão tramitando na 1ª instância. Vejamos: 1) pedido de registro de candidatura: 15 de agosto; 2) publicação de edital contendo o nome dos candidatos que requereram o registro: 16 de agosto; 3) apresentação de impugnação ao registro de candidatura em 5 dias: 21 de agosto; 4) citação dos candidatos impugnados para defesa: 22 de agosto; 5) apresentação de defesa em 7 dias: 29 de agosto; 6) intimação das partes para alegações finais: 30 de agosto; 7) apresentação de alegações finais em 5 dias: 4 de setembro; 8) prolação e publicação da sentença em 3 dias: 7 de setembro; 9) recurso eleitoral em 3 dias: 10 de setembro; 10) contrarrazões ao recurso eleitoral em 3 dias: 13 de setembro; 11) distribuição do recurso no TRE: 15 de setembro; 12) abertura de vistas ao Ministério Público: 16 de setembro; 13) apresentação de parecer do Ministério Público: 18 de setembro; 14) apresentação em mesa, para julgamento: 21 de setembro.

Portanto, a análise conjunta dos dispositivos da Lei Eleitoral e da Lei de Inelegibilidades acima referidos deixa evidente a existência de antinomia normativa na atual legislação eleitoral pós advento da Lei 13.165/15. Há impossibilidade fática de se aplicar conjuntamente o artigo 13, §3º, da Lei Eleitoral, o artigo 16, §1º, da Lei Eleitoral e o artigo 3º e seguintes da Lei de Inelegibilidades.

Tomada a questão sobre a ótica infraconstitucional de um conflito de regras, a solução é admitir uma cláusula de exceção na regra de substituição,[2] de modo que o prazo previsto no artigo 13, §3º, da Lei Eleitoral somente seja aplicado aos processos cujo julgamento pelas instâncias ordinárias ocorra até o seu vencimento. Para os processos não julgados, a substituição poderia ocorrer após o julgamento pelo TRE (em eleições municipais) ou pelo TSE (em eleições gerais), aplicando-se excepcionalmente orientação jurisprudencial que já foi dominante no Tribunal Superior Eleitoral.[3]

Aliás, essa solução pode ser implementada a partir de uma interpretação sistemática da nova redação do artigo 257, §2º do Código Eleitoral, norma também trazida pela Lei 13.165/15 e que estabelece que “o recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo”.

Basta, para tanto, que a Justiça Eleitoral confira ao termo cassação de registro uma interpretação que contemple também os casos de indeferimento de registro, de modo que o recurso eleitoral interposto em face de sentença de 1º grau que indefere registro de candidatura seja, nos termos do artigo 257, §2º do Código Eleitoral, recebido com efeito suspensivo inclusive no que se refere à necessidade de substituição prevista no artigo 13, §3º, da Lei Eleitoral.

E a compreensão do problema sob uma perspectiva constitucional é a mesma: se de um lado a regra de substituição de candidatos visa garantir clareza ao eleitorado sobre quem efetivamente disputa o pleito, apresentando-se como desdobramento do princípio do voto direto (artigo 14),[4] certo é que, de outro, sua aplicação incondicional pode impedir, dificultar ou restringir os direitos ao sufrágio passivo (artigo 14 da CF/88), na medida em que impõe que alguns postulantes tenham que abrir mão de participar do processo político antes mesmo que se decida, pelas instâncias ordinárias, sobre a viabilidade das candidaturas apresentadas.

É dizer, embora a disciplina da substituição de candidatos decorra do direito ao voto direto, o âmbito de proteção deste direito não pode conduzir a uma interpretação que inviabilize ou dificulte, na prática, a participação dos candidatos ao pleito.

A proibição prematura da substituição de candidatos pode também acarretar outro resultado nefasto para a democracia: compelidos a decidir sobre a substituição diante apenas de uma decisão de 1º grau, muitos candidatos manterão suas candidaturas na expectativa de reverter, no TRE ou no TSE, eventual indeferimento de registro. Isso, inquestionavelmente, implicará em um maior número de candidatos eleitos e com o registro indeferido, o que, nos termos do novo §3º do artigo 224 do Código Eleitoral, demandará sempre a realização de um novo pleito[1].

Indaga-se: é mais prejudicial ao processo democrático autorizar a substituição tardia de candidatos ou admitir-se que o eleitor vote em candidatos inelegíveis, forçando a realização de um novo pleito com toda a mobilização do aparato estatal para esse fim? A resposta parece clara, no sentido de reclamar que o conjunto de normas que regem o processo eleitoral sejam interpretadas de forma sistemática, admitindo-se a substituição de candidatos, mesmo após os 20 dias antes do pleito, para os casos em que os processos de registro de candidatura não estejam julgados pelas instâncias ordinárias até essa data.

Se duas normas de igual hierarquia preveem (i) a necessidade de julgamento dos processos de registro pelas instâncias ordinárias em até 20 dias antes do pleito (artigo 16, §1º, da Lei Eleitoral) e (ii) a substituição de candidaturas em até 20 dias antes do pleito (artigo 13, §3º, da Lei Eleitoral), porque razão admite-se o descumprimento da primeira regra e exige-se, sem temperamentos, a observância da segunda? Ou o sistema funciona como um todo, ou as exceções aplicam-se também como um todo.

Ademais, como a duração do processo de registro não é – e nem pode ser –  igual para todos os candidatos, a aplicação sem ressalvas do artigo 13, §3º da Lei Eleitoral pode resultar em ofensa ao princípio da isonomia, na medida em que candidatos que concorrem a um mesmo pleito estarão submetidos a situações desiguais (prazos desiguais de substituição) a depender da causa de pedir de eventual impugnação de registro, elemento que pode fazer com que o processo de registro demore mais ou menos tempo para ser julgado.

Portanto, somente será constitucionalmente legítimo aplicar o artigo 13, §3º, da Lei Eleitoral nos casos em que o julgamento nas instâncias ordinárias ocorrer antes do vencimento do prazo de 20 dias antes do pleito. Para as demais hipóteses, deve-se aguardar o julgamento do respectivo recurso.

A despeito de tudo isso, e de lege ferenda, impõe-se ao Congresso Nacional a solução do quadro aqui retratado mediante simples providência legislativa: desatrelar a fase de registro de candidatura do início da propaganda eleitoral.

Como se sabe, a alteração do artigo 11 da Lei Eleitoral – que mudou o prazo para registro de candidatura do dia 05 de julho para o dia 15 de agosto – teve o objetivo declarado de reduzir o custo das campanhas eleitorais mediante a redução do tempo de campanha. Ou seja, a fim de que as campanhas eleitorais ficassem mais curtas (e, em tese, mais baratas), reduziu-se também o período para análise do registro de candidatura. Ocorre que uma coisa nada tem a ver com a outra.

Nada justifica o cenário de incerteza jurídica em a que o eleitor é submetido atualmente em razão da indefinição do quadro de candidaturas durante a fase crítica do período eleitoral, aonde cidadãos que sequer tiveram seu registro de candidatura analisado por um magistrado de 1º grau já promovem ostensiva propaganda visando obter o voto do eleitor.

É perfeitamente possível (e até lógico) que a fase de registro de candidatura anteceda o período de propaganda eleitoral, de modo que, atingida a data de 15 de agosto, o eleitor assista a propaganda eleitoral e vote em candidatos que efetivamente poderão assumir os cargos que pleiteiam.

Para isso, bastaria unificar os prazos de desincompatibilização (outra parafernalha da legislação eleitoral) nos 6 meses anteriores ao pleito e, a partir de abril, iniciar as fases de convenção e de registro de candidatura, mantendo o início da propaganda eleitoral em agosto. Outra alternativa seria estabelecer uma fase de pré-registro ou pré-habilitação, que precederia as próprias convenções, e da qual poderiam participar quaisquer pré-candidatos (e não somente um por partido). Finalizada essa pré-habilitação, e proclamados os candidatos habilitados a disputar o pleito, os partidos realizariam suas convenções e escolheriam aqueles que efetivamente disputariam o pleito.

Tais medidas não causariam impacto na chance de eleição de quem quer que seja e, por envolverem apenas normas previstas na Lei 9.504/97 e na Lei Complementar 64/90, não demandariam sequer alteração do texto Constitucional.

Porém, enquanto o Congresso Nacional não se mobiliza nesse sentido, caberá ao Poder Judiciário conferir ao conjunto de normas eleitorais uma interpretação lógica, sistemática e que guarde respeito à Constituição Federal.

_________________________________________________________________________

[1] Reformulação do sistema proporcional (lista fechada; lista flexível; voto distrital; voto distrital misto; voto único intransferível); financiamento eleitoral e partidário (público ou privado; com ou sem doações de pessoas jurídicas); combate ao caixa dois de campanha; fim das coligações; voto facultativo; cláusula de barreira ou desempenho; fidelidade partidária; fim da reeleição; candidatura avulsa; fim dos suplentes de Senadores; etc.

[2] Nesse sentido, Robert Alexy: “um conflito de regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida. Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a proibição de sair da sala de aula antes de que o sinal toque e o dever de deixar a sala se soar o alarme de incêndio. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso de alarme de incêndio” (Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva, 2012, p. 92). E Humberto Ávila: “[…] as regras também podem ter seu conteúdo preliminar de sentido superado por razões contrárias, mediante um processo de ponderação de razões. Ademais, isso ocorre nas hipóteses de relação entre a regra e suas exceções. A exceção pode estar prevista no próprio ordenamento jurídico, hipótese em que o aplicador deverá, mediante ponderação de razões, decidir se há mais razões para a aplicação da hipótese normativa da regra ou, ao contrário, para a sua exceção” (Teoria dos Princípios, 2005, p. 45/46).

[3] “[…] É de se deferir o pedido de substituição de candidato a cargo da eleição proporcional, requerido no prazo de dez dias previsto no art. 13, § 1º, da Lei nº 9.504/97, mesmo que dentro do prazo de sessenta dias antes do pleito, a que se refere o § 2º da mesma disposição legal, se, na espécie, ocorreu a demora no julgamento do pedido de registro, circunstância que não pode prejudicar o direito da parte à referida substituição” (AgRg-RO nº 1318, Relator p/ Acórdão Ministro MARCELO RIBEIRO, PSESS de 29/09/2006); “A parte não deve ser prejudicada pela demora no julgamento do pedido de registro. O indeferimento ocorrido após o prazo do art. 13, § 3º, Lei nº 9.504/97 não impede a substituição de candidato” (RESPE nº 22701, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PSESS de 16/09/2004)

[4] Segundo Pieroth e Schlink, “o caráter direto da eleição exige ainda que o eleitor possa reconhecer que pessoas se candidatam a um mandato e que consequências pode ter a sua própria votação no sucesso ou insucesso dos candidatos à eleição” (Direitos Fundamentais, 2012, p. 502)
Acesso em: 08/05/2016
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