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Cassação de chapa proporcional por fraude que respeita a cota de gênero

segunda-feira, 26 de junho de 2023
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: CONJUR

Por Ludgero Liberato e Camila Batista Moreira

Da impossibilidade de cassação de chapa proporcional por fraude que não desrespeita a cota de gênero

Está sendo discutido no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a relevante questão sobre a (im)possibilidade de a candidatura fictícia cassar chapa proporcional quando obedecido o percentual de 30% de mulheres.

A discussão surgiu no julgamento dos AREspEs 0600869-93.2020.6.02.0018 e 0600004-36.2021.6.02.0018, na sessão do dia 23/5/2023 [1]. No caso em comento, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) de Roteiro (AL) lançou ao cargo de vereador nas eleições de 2020: 14 candidaturas, sendo nove masculinas e cinco femininas, o que equivale a proporção de 65 e 35 % respectivamente.

Duas das cinco candidaturas femininas foram impugnadas sob a alegação de serem fictícias (laranjas) e, portanto, terem sido registradas tão somente para preencher o percentual mínimo de 30% descrito no artigo 10, §3º, da Lei das Eleições (Lei 9.504/97).

O TRE-AL, ao analisar o caso, entendeu que não teria havido a comprovação de fraude à cota de gênero pelo partido político, visto que uma das candidatas justificou seu baixo engajamento eleitoral em virtude de doença que acometeu seu esposo no período da campanha e, por isso, não havia prova da fraude eleitoral [2].

No TSE, o relator ministro Benedito Gonçalves, no entanto, acompanhado pela maioria, deu provimento aos agravos e aos recursos especiais para reformar o acórdão do Tribunal Regional e julgar procedentes os pedidos formulados na ação de investigação judicial eleitoral e na ação de impugnação de mandato eletivo, a fim de decretar a nulidade dos votos do partido para o cargo de vereador, cassar o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) e os diplomas de três vereadores eleitos, e declarar a inelegibilidade de uma das candidatas.

O que merece destaque no caso é o fato de a corte eleitoral ter iniciada a discussão acerca da (im)possibilidade de a candidatura fictícia cassar chapa proporcional quando obedecido o percentual de 30% de mulheres.

É que subtraída apenas uma candidatura feminina do Drap do PTB-Roteiro, seriam mantidos os percentuais mínimos na proporção de 30,76% e 69,23 %, correspondentes a 13 candidaturas, sendo nove masculinas e quatro femininas.

Para os ministros Benedito Gonçalves, Carmen Lúcia e André Ramos Tavares, ainda que apenas uma das duas candidaturas foi tida como fraudulenta, fictícia ou laranja, e, portanto, o PTB-Roteiro preencheu o percentual de 30% e 70% de candidaturas de cada gênero nas eleições proporcionais de 2020, deveriam ser aplicadas as drásticas consequências de anulação de todos os votos obtidos, cassado o Drap e os mandatos dos três vereadores eleitos. Esse entendimento privilegia a participação feminina na política considerando que o percentual de 30% por cento é o mínimo.

Lado outro, para o ministro Raul Araújo, que inaugurou a divergência, acompanhado pelo ministro Nunes Marques e pela ministra Maria Cláudia Bucchianeri, considerando que uma das candidaturas é lícita e o Drap satisfaz o percentual mínimo (30%), não teria havido violação ao artigo 10, §3º, da Lei Eleitoral e não há falar na aplicação das consequências derivadas da nulificação do Drap. Logo, essa última compreensão prestigia a soberania do voto e a prevalência da vontade popular.

O presidente, ministro Alexandre de Moraes, abriu uma terceira linha de voto por entender que as duas candidaturas foram fictícias e, portanto, a conclusão final foi pelo provimento dos recursos para reformar o acórdão regional e cassar as candidaturas.

Portanto, não houve desempate acerca da cassação do Drap quando reconhecida a fraude de candidatura feminina que não comprometeu a cota mínima de gênero, e num futuro próximo, considerando a quantidade de casos dessa natureza, o TSE pode firmar entendimento para qualquer dos lados, já no dia 23/5/2023, o ministro Floriano de Azevedo Marques Neto, recém-nomeado, não havia tomado posse.

Com efeito, o embate iniciado confronta dois importantes princípios constitucionais, quais sejam, de igualdade de gênero (artigo 5º, inciso I) e da soberania popular (artigo 14)

De modo geral, só se admite a cassação de mandatos, quando ferido algum bem jurídico tutelado pela norma, sobretudo quando há concurso na prática de ilícitos ou quando sejam beneficiados os candidatos.

A regra eleitoral, portanto, é de interpretação restritiva das hipóteses de cassação, de modo a privilegiar a vontade alcançada nas urnas.

No entanto, é importante relembrar que a jurisprudência do TSE, especialmente a partir do julgamento do REspE 193-92 [3], proveniente de Valência (PI), com o fito de dar concretude a ação afirmativa de efetiva participação de mulheres na política, passou a admitir que fosse afastada a vontade dos eleitores e a vitória alcançadas nas urnas, quando não obedecido o princípio da igualdade entre homens e mulheres, consubstanciada por meio da cota mínima de gênero, estabelecida no artigo 10, § 3º, da Lei Eleitoral [4].

No referido caso, foram fixadas como consequências jurídicas da fraude à cota mínima de gênero: indeferimento/anulação do Drapanulação de todos os votos, a cassação de mandatos e a declaração de inelegibilidade.

E as consequências à época foram estabelecidas porque: 1) a cassação de registros de todos os candidatos, independe de participação ou anuência do candidato, sendo imprescindível analisar a atuação no ilícito para fins de inelegibilidade apenas;  2) o mero recálculo da cota, excluindo-se apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas, tornaria o art. 10, §3º, LE impraticável; 3) o registro de candidaturas femininas fraudulentas em cada coligação permitiu número maior de homens na disputa, cuja soma de votos foi contabilizada em favor das respectivas alianças, culminando, ao fim, em quociente partidário favorável a elas, que puderam então registrar e eleger mais candidatos aos cargos de vereador. 4) os partidos e coligações que não solucionaram as pendências no Drap quanto à cota de gênero não podem participar do pleito, o que alcança os seus respectivos candidatos e, com muito mais rigor, deve ser essa mesma consequência jurídica quando se constata a fraude.

Em outras palavras, a jurisprudência, então, excepcionou a regra, e somente autoriza a punição de toda a chapa, a cassação de todos os mandatos, quando não obedecida a cota mínima de gênero ou quando preenchida a cota com candidatura laranja sem a qual não seria possível que o Drap fosse deferido.

Não se desconhece que a política afirmativa de inclusão feminina perfaz agenda das mais imperiosas na atual quadra política, constituindo temática que reclama redobrada proatividade da justiça especializada a fim de se prestigiar um aumento e uma maior participação feminina no espaço político eleitoral.

Entretanto, nos casos em que não há o comprometimento do percentual mínimo de gênero, diferentemente do que decidido no leading case, REspE 193-92, não se pode punir mandatários, que não concorreram ou foram beneficiados pela fraude.

Logo, se a agremiação partidária obedeceu ao percentual mínimo de gênero estabelecido na lei não há fundamentos jurídicos que permite cassar toda a chapa proporcional. A fraude isolada em alguma candidatura pode ser repreendida com punição daqueles que concorreram para a prática da conduta, inclusive com a declaração de inelegibilidade (artigo 222 do CE e artigo 22, inciso XIV, da LC 64/90).

A esse respeito, a satisfação do quociente normativo, somado à necessidade de preservação dos votos válidos e legítimos às urnas, são valores jurídicos que podem prevalecer sobre a irregularidade praticada e atribuível tão somente à candidatura isoladamente considerada irregular.

Em se tratando de cassação de mandatos daqueles que não concorreram para a fraude, mas são simplesmente atingidos por atos de terceiros, é imperiosa a interpretação restritiva, como forma de preservação da soberania popular manifestada nas urnas.

Outro ponto que merece destaque diz respeito ao fato de que a candidatura feminina considerada fraudulenta permite com que o Partido lance mais candidatos homens e, portanto, obtenha mais votos, o que também não acontece nesses casos em que o percentual mínimo foi obedecido.

Dessa forma, há de ser ponderada a necessidade de participação feminina e a vontade manifestada nas urnas, quando não houve desobediência ao percentual mínimo necessário descrito no artigo 10, §3º, da Lei 9.504/97.

Nesse contexto, a fraude à cota de gênero de candidaturas representa afronta aos princípios da igualdade, da cidadania e do pluralismo político, na medida em que o objetivo do artigo 10, §3º, da Lei 9.504/1997 é ampliar a participação feminina no processo político-eleitoral.

Nesses casos, tendo sido indicados candidatos dos dois gêneros na proporção mínima que a lei determina, não há como falar em desigualdade de gênero e, por consequência, inobservância do artigo 10, §3º, da Lei Eleitoral.

Como bem pontuou a ministra Maria Cláudia Bucchianeri o eleitor tem o direito de escolher  no cardápio eleitoral homens e mulheres, de modo que ele seja minimamente plural e representativo, o que foi observado no caso.

Privilegiar a participação feminina em detrimento da vontade popular em casos idênticos, a contrário sensu, desencadeará, como disse o ministro Nunes Marques, num "precedente perigoso", pois poderão ser registradas candidaturas fictícias incentivadas por agremiações opositoras.

Por tudo isso, sob o ponto de vista da técnica jurídica, a posição da divergência sobre manter o Drap do partido que, mesmo reconhecida a fraude com relação a uma candidatura, obedeceu a cota mínima de gênero, é a mais acertada.

[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GeavBDkPDeU&list=PLljYw1P54c4z7JQo5DpCEsWOwXd_5nZkk&index=31.

[2] A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem se firmado no sentido de que são circunstâncias fáticas suficientes à conclusão da existência de fraude à cota de gênero: a) obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas impugnadas; b) prestação de contas com idêntica movimentação financeira ou zeradas; e c) ausência de atos efetivos de campanha. Nesse sentido: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060065194, Acórdão, relator (a) ministro Sergio Silveira Banhos, relator (a) designado (a) ministro Alexandre de Moraes, Publicação: Diário da justiça eletrônico (DJE), Tomo 123, Data 30/06/2022. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060054992, Acórdão, relator (a) ministro Carlos Horbach, Publicação: Diário da justiça eletrônico (DJE), Tomo 121, Data 29/06/2022.

[3] TSE, REspe no 193-92.2016.6.18.0018/PI, relator ministro Jorge Mussi, julgado em 17.09.2019.

[4] Artigo 10, (…)

  • 3º  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).
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