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Retroatividade da LIA: extinção do terceiro beneficiário

terça-feira, 06 de junho de 2023
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: Conjur

Por Rafael Ferreira de Albuquerque Costa

Foi publicada em 26/10/2021 a Lei nº 14.230, a qual promove substanciais alterações na Lei nº 8.429/92, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Dentre as incontáveis alterações, afetou-se o regime de prescrição sobre os atos de improbidade, bem como excluiu-se a modalidade culposa dos atos que ensejassem dano patrimonial, além da necessária caracterização do dolo específico.

A repercussão foi tamanha que pudemos perceber a manifestação do STF (Supremo Tribunal Federal) em tempo recorde por meio das teses fixadas no Tema 1.199 da repercussão geral (ver aqui) e as ADIs 7.236 (ver aqui), 7.042 (ver aqui) e 7.043 (ver aqui).

A relevância da nova lei e suas implicações reverberam juridicamente não apenas na jurisprudência, mas também no âmbito acadêmico e nos veículos de comunicação, especializados ou não, mormente porque as disposições legais encartam desafios interpretativos enormes, muitos dos quais vão de encontro à própria jurisprudência que se havia formado desde 1992.

Com efeito, muito se tem escrito sobre improbidade administrativa recentemente. Uns dizem que a lei de improbidade se tornou em lei da impunidade; outros, que as alterações visavam à maior eficiência da prevenção e repressão dos atos que atentam contra a moralidade pública.

Eu mesmo já me debrucei sobre o tema nesta revista eletrônica aqui e aqui. Nessa contribuição, endossei a posição daqueles que entendem a improbidade administrativa como integrante do Direito Administrativo Sancionador, advogando, portanto, sua retroatividade ilimitadamente, inclusive do novo regime prescricional e com a possibilidade de desconstituição da coisa julgada.

Contudo, como se depreende do Tema 1.199 da repercussão geral, o STF concordou em parte com essa posição, adotando uma postura de retroatividade moderada com relação à revogação da modalidade culposa para atingir todas as ações em que ainda não houvesse trânsito em julgado e de irretroatividade quanto ao novo regime prescricional, sobre o qual ainda haverá certamente muitas discussões quando do quarto aniversário da vigência da lei.

De todo modo, a premissa fixada na tese no Supremo é de que a lei de improbidade retroage, mas não ilimitadamente. Nesse sentido, é lógico transportar essa premissa para outros dispositivos legais que alteraram significativamente o regramento da Lei nº 8.429/92.

A redação original da lei de improbidade administrativa previa que responderiam pelos ilícitos decorrentes de seu regramento aquele que se "se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta" da prática do ato de improbidade [1]. Esse dispositivo legal serviu de fundamento para que fossem incluídos no polo passivo cônjuges de agentes públicos que respondiam pela suposta prática de atos ímprobos, mesmo que não houvesse qualquer forma de concurso para o ilícito.

No entanto, a nova redação do artigo 3º excluiu a figura do terceiro beneficiário, o extraneus. Dito de outro modo, aquele de qualquer modo de beneficie, direta ou indiretamente, da prática de ato de improbidade, para utilizar a antiga dicção, não mais responde nos termos da Lei nº 8.429/92, salvo tenha induzido ou concorrido dolosamente para sua prática [2]. Os demais dispositivos que balizavam a responsabilização do terceiro beneficiário, quais sejam os arts. 5º e 6º [3], foram revogados pela artigo 4º, II da Lei nº 14.230/21.

Não foram encontrados óbices para o transporte do racional aplicado na fixação das teses do Tema 1.199, desde que não tenha havido trânsito em julgado e a imputação descrita na petição inicial ou a condenação proferida em sentença limitem-se ao mero benefício de eventual ato de improbidade. Esse reconhecimento da atipicidade objetiva de uma conduta anteriormente prevista já foi inclusive aplicado em decisões judiciais no exame da revogação do artigo 11, I pela Lei nº 14.230/21 [4].

Parece coerente que a retroatividade da nova lei de improbidade administrativa abranja não só o elemento subjetivo, a exclusão da modalidade culposa, bem assim a tipicidade objetiva do ato de improbidade, isto é, a abolitio da descrição legal da conduta ou da condição ensejadora da aplicação da Lei nº 8.429/92, respeitados em todo caso, a coisa julgada e o detido exame da imputação.

[1] Artigo 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

[2] Artigo 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.

[3] Artigo 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano. Artigo 6° No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

[4] PELAÇÃO — IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA — Pretensão do Autor Ministério Público do Estado de São Paulo à condenação do requerido por atos de improbidade administrativa por lesão ao Erário e por ofensa aos princípios da Administração Pública — Alegação de que o Requerido teria realizado indevido programa social de distribuição gratuita de produtos de café da manhã para trabalhadores rurais em ano eleitoral, com a aquisição de bens sem licitação — Alterações legislativas realizadas pela Lei nº 14.230/2021 — Aplicação retroativa das normas mais benéficas ao Requerido — Artigo 1º, §4º, da Lei de Improbidade Administrativa — Artigo 5º, XL, da CF — Revogação do artigo 11, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa, aplicada retroativamente ao Requerido — Necessidade de dolo para configuração de ato de improbidade por lesão ao Erário — Nova redação do artigo 10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa — Ausência de demonstração concreta do dolo — Sentença de procedência reformada para julgar improcedente a ação — Apelação provida. (TJ-SP; Apelação Cível 1000388-26.2018.8.26.0204; relator (a): Ana Liarte; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de General Salgado — Vara Única; Data do Julgamento: 21/02/2022; Data de Registro: 21/02/2022).

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