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Imposição ao Ministério Público de sanção por litigância de má-fé

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Fonte: Conjur

Dentre os consectários da garantia do devido processo legal, destaca-se o princípio da isonomia processual, determinante do tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo durante todos os atos e termos do respectivo procedimento. Decorre ele, sem dúvida, do enunciado do artigo 5º, e seu inciso I, da Constituição, ao expressar, de modo enfático, e até repetitivo, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". E esse importante princípio vem reiterado no artigo 7º do Código de Processo Civil. Nem poderia ser diferente, até porque o processo civil jamais atingiria plenamente sua finalidade de compor as controvérsias se os litigantes não fossem tratados com igualdade em todo o seu desenrolar.

Em suma, assegurando-se a todos os jurisdicionados, indistintamente, a proteção de seus direitos subjetivos materiais, pelos órgãos dotados de jurisdição, por meio do processo, subsiste, também no âmbito da ação, o regramento da isonomia processual, fazendo as partes que nele atuam merecerem igual tratamento, ou seja, as mesmas chances, autêntica paridade de armas (Waffengleichheit).

Ademais, diante de tal princípio, exige-se também que o comportamento das partes receba idêntico tratamento à luz das disposições do Código de Processo Civil. Com efeito, impondo-se à legislação ordinária amoldar suas normas às preceituações constitucionais, nela não pode haver lugar para o estabelecimento de discriminações ou privilégios, quaisquer que sejam, isto é, de desigualdades entre iguais.

Por esta razão é que não se permite cogitar de exceção ou exceções ao mencionado princípio constitucional, embora largamente disseminadas ao longo do CPC , como, e. g., a ampliação do prazo para a Fazenda Pública oferecer contestação ou recorrer; e, ainda, o reexame necessário das sentenças proferidas contra a União, o estado e o município. Aliás, não só estas como igualmente outras regras correlatas, revestidas de incontornável inconstitucionalidade, ao favorecerem também a Fazenda Pública e o Ministério Público em determinadas situações processuais de conotação nitidamente patrimonial, que infringem o princípio maior, alusivo à igualdade de todos perante a lei.

A despeito da relevância das funções desempenhadas pelo Ministério Público em nosso sistema processual, é certo que em algumas hipóteses nas quais age ele como demandante, constata-se verdadeiro abuso na respectiva atuação, que, em regra, deixa de ser reprimida pelos órgãos julgadores, por entenderem incabível a imposição de condenação ao Parquet.

Registro que, contra esse descabido privilégio, já me manifestei em vários momentos.

Daí a minha surpresa pela notícia de julgamento unânime, recentemente proferido (9.11) pela 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, no recurso de Apelação nº 1029302-63.2021.8.26.0053, que prestigiou a sentença monocrática, mantendo a condenação do Ministério Público por dolo processual, cujo voto condutor, que prima pela lucidez, foi do desembargador José Manoel Ribeiro de Paula.

No curso do ano de 2021, o Ministério Público de São Paulo ajuizou ação de improbidade administrativa contra o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, três de seus funcionários e uma empresa de produtos hospitalares. O argumento fulcral deduzido na demanda consistia no superfaturamento originado de um contrato emergencial firmado entre o hospital e a empresa requerida, no auge da pandemia.

Pouco tempo depois, em novembro de 2021, o pedido foi julgado improcedente, uma vez que a respectiva petição inicial desconsiderou as vicissitudes inexoráveis decorrentes da pandemia. A sentença condenou o Ministério Público a pagar R$ 10 mil para cada um dos requeridos, a título de ressarcimento dos honorários sucumbenciais, por má-fé processual.

Na sequência, o Ministério Público interpôs apelação, impugnando apenas a condenação por má-fé. Passados cinco dias, novo recurso foi interposto relativamente ao mérito da questão.

Com base no princípio da unicidade recursal, o referido acórdão não conheceu da segunda apelação e desproveu a primeira, forte no fundamento de que emergia: "Nítida a falta de boa-fé objetiva, tanto que nem se abalançou o Ministério Público de recorrer da sentença para obter a procedência da ação; e se o fez, foi através de um segundo e inadmissível recurso de apelação, a reforçar a impropriedade dos meios processuais escolhidos". O entendimento da turma julgadora ainda se escudou no fato de que o Parquet tinha inúmeros elementos para não ajuizar a demanda e evitar que os requeridos tivessem o incômodo ônus de se defenderem.

Reportando-se à sentença, o acórdão assevera ainda que:

"Sem explicação alguma, a petição inicial ignora quase por completo um evento de repercussão mundial que se inscreveu na história da humanidade pela ampla dimensão de pessoas mortas, outras recuperadas com sequelas, alterações súbitas (muitas ainda em curso) nas relações sociais e na cultura dos povos, abalos sísmicos na ordem econômica (ainda em desdobramento) de todos os países do planeta: a pandemia do Coronavírus. A palavra 'pandemia' aparece uma vez (fls. 4), ao largo, sem conexão com os fatos expostos e as acusações... Nesse quadro é também preciso realçar, como fez a defesa do Hospital das Clínicas (fls. 1.586), que nem mesmo as diligências realizadas pela administração do hospital na tentativa de aquisição do insumo em preço mais baixo foram consideradas pelo órgão de acusação."

Aduza-se que a turma julgadora, ao manter a sentença, com arrimo no artigo 85, parágrafo 11, do Código de Processo Civil, elevou a verba honorária para R$ 15 mil.

É de fato auspicioso esse importante precedente do Tribunal de Justiça bandeirante, uma vez que reconheceu o verdadeiro sentido que decorre, no plano processual, do tratamento paritário que deve ser dispensado às partes, sem quaisquer distinções, como corolário da garantia do devido processo legal.

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