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O problema Cunha: entre a solução definitiva e o remendo

segunda-feira, 09 de maio de 2016
Postado por Gabriela Rollemberg Advocacia

Por Eduardo Jordão - Professor da FGV Direito Rio

Fato: o Supremo já poderia (e deveria) ter afastado Eduardo Cunha da presidência da Câmara. O respeito à separação dos poderes, neste caso, não seria argumento suficiente para impedir a intervenção do tribunal. Afinal, a suspensão cautelar de Cunha estaria fundada em previsão expressa do Código de Processo Penal, que autoriza esta medida para evitar que a função pública seja utilizada para o cometimento de novas infrações.

Ao invés desta alternativa direta e prevista na lei, no entanto, alguns ministros cogitam adotar outra solução: a de impedir apenas que Cunha possa assumir temporariamente a Presidência da República, já que se trata de réu já denunciado. Essa tese pode apaziguar alguns dos medos associados à presença de Cunha na linha sucessória da Presidência em tempos de impeachment e de uma possível cassação da chapa Dilmar/Temer pelo TSE. Mas ela padece de dois problemas.

Em primeiro lugar, ela não encontra respaldo no texto constitucional. É verdade que a Constituição prevê a suspensão do Presidente da República se o Supremo receber contra ele denúncia por crimes comuns. Mas, no caput do mesmo artigo, a Constituição também estabelece que a acusação contra o Presidente da República tem que ser previamente admitida por dois terços da Câmara dos Deputados, para que o caso possa chegar ao Supremo. Ou seja: ao lado da suspensão em caso de denúncia (uma limitação de seu poder), o Presidente tem uma poderosa garantia institucional – só pode ser denunciado após a difícil autorização de uma super maioria de deputados. Este procedimento não foi seguido no caso de Cunha. A solução cogitada pelos ministros do Supremo pretende estender por analogia apenas parte do disposto num parágrafo de um artigo da Constituição, enquanto ignora o procedimento previsto para tanto no seu caput. Uma analogia seletiva, que escolhe apenas a parte do texto que convém.

A propósito, adicione-se que o próprio Supremo já negou a aplicação da analogia para Cunha, quando ele pediu. O deputado queria que, como presidente da Câmara e 3o na sucessão presidencial, tampouco pudesse ser processado por crime comum durante o mandato. O Supremo decidiu que esta regra só valia para o Presidente. Se não aplicou a analogia mais protetiva do ocupante do cargo, como poderia aplicar apenas a analogia que lhe desfavorece?

Em segundo lugar, a proposta subverte a lógica atual do sistema jurídico eleitoral. Através de uma analogia, ela impõe indiretamente um mecanismo ainda mais grave do que aquele previsto na lei de ficha limpa. Esta lei exige condenação por um órgão colegiado para que um candidato se torne inelegível. A tese cogitada pelos ministros do Supremo, porém, impediria de assumir a chefia do poder executivo qualquer pessoa que seja objeto de mera denúncia ainda não julgada por órgão colegiado.

Se adotada como regra geral, a solução tem consequências particularmente problemáticas para vice presidentes eleitos. Embora estejam na linha sucessória, os vices não possuem as mesmas garantias institucionais dos Presidentes – em especial, não precisam de 2/3 da Câmara para ter uma denúncia contra si recebida pelo Supremo. Quer dizer: poderiam ser impedidos de exercer a Presidência com uma simples denúncia, sem qualquer condenação. Na prática, isso pode inclusive dificultar o recebimento de denúncias contra vices,  já que o ministros do Supremo poderiam hesitar diante das implicações desse ato para a governabilidade.

A adoção de uma solução tão problemática é sempre inadequada. Mas a inadequação é particularmente relevante quando a via da solução definitiva (o afastamento de Cunha da presidência da Câmara) ainda está aberta, esperando apenas uma decisão dos ministros.

No fundo, o remendo interpretativo cogitado pelo Supremo sequer é necessário. Ele só precisou entrar em cena para suavizar os problemas decorrentes da própria inação dos ministros. O Tribunal não afasta Cunha tal como deveria, mas produz um paliativo contra um ou outro efeito nefasto da sua permanência no cargo: uma solução na melhor das hipóteses parcial, e com grandes efeitos colaterais.

 

Acesso em: 09/05/2016
Leia notícia completa em:
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